quinta-feira, 21 de abril de 2011

Antes de nascer o mundo - Mia Couto

Pequeno trechos de um livro que foi, para mim, no mínimo, inesquecível.

"Condenei-o por ele vos ter arrastado para um deserto. A verdade, todavia, é que ele inaugurou o seu próprio território. Ntunzi responderia que Jesusalém se fundava num logro criado por um doente. Era mentira, sim. Porém, se temos que viver na mentira que seja na nossa própria mentira. Afinal, o velho Silvestre não mentia assim tanto na sua visão apocalíptica. Porque ele tinha razão: omundo termina quando já não somos capazes de amar."

"Vês como fico pequena quando escrevo para ti? É por isso que eu nunca poderei ser poeta. O poeta se engrandece perante a ausência, como se a ausência fosse seu altar, e ele ficasse maior que a palavra. No meu caso, não, a ausência me deixa submersa, sem acesso a mim.
Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada. Quando não estás, me desconheço, ignorante. Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora, eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que não se acende senão em tua boca."

"- Acha possível que nosso pai não tenha saudades?
- Ora, ora: quem sabe o que é a saudade?
- Ele tem ou não tem?
- Saudade é esperar que a farinha se refaça em grão."