sábado, 10 de setembro de 2011

E se Obama fosse africano? - Mia Couto

Trecho do ensaio: Língua que não sabemos que sabíamos

"Vivemos dominados por uma percepção redutora e utilitária que converte os idiomas num assunto técnico da competência dos linguistas. Contudo, as línguas que sabemos - e mesmo as que não sabemos que sabíamos - são múltiplas e nem sempre capturáveis pela lógica racionalista que domina o nosso consciente. Existe algo que escapa à norma e aos códigos. Essa dimensão esquiva é aquela que a mim, enquanto escritor, mais me fascina. O que me move é a vocação divina da palavra, que não apenas nomeia mas que inventa e produz encantamento.

Estamos todos amarrados aos códigos colectivos com que comunicamos na vida quotidiana. Mas quem escreve quer dizer coisas que estão para além da vida quotidiana. Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitámos tão pouco.

Sou biólogo e viajo muito pela savana do meu país. Nessas regiões encontro gente que não sabe ler livros. Mas que saver ler o seu mundo. Nesse universo de outros saberes, sou eu o analfabeto. Não sei ler sinais da terra, das árvores edos bichos. Não sei ler nuvens, nem o prenúncio das chuvas. Não sei falar com os mortos, perdi contacto com os antepassados que nos concedem o sentido da eternidade.Nessas visitas que faço à savana, vou aprendendo sensibilidades que me ajudam à sair de mim e a afastar-me das minhas certezas. Nesse território, eu não tenho apenas sonhos. Sou sonhável."

Meu mestre. Sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário