quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Lentidão - Milan Kundera

"Ao voltar para o castelo com o cavalheiro, Madame T. simula uma descida para o nada, sabendo muito bem que no último momento terá todo o poder de inverter a situação e prolongar o encontro. Para tanto, bastará uma frase, uma daquelas fórmulas de que a arte da conversa dispõe às dezenas. Mas, por uma espécie de conspiração inesperada, por uma imprevisível falta de inspiração, ela é incapaz de encontrar uma que seja. É como um ator que tivesse subitamente esquecido seu texto. Pois, na verdade, é preciso conhecer o texto; não é como hoje em dia, em que uma moça pode dizer: você quer, eu também quero, não vamos perder tempo! Para eles, essa franqueza mantém-se por trás de uma barreira que não pode ser tranporta apesar de todas as suas convicções libertinas. Se nenhuma ideia ocorre a tempo nem a um nem a outro, se não encontram nenhum pretexto para continuar seu passeio, serão obrigados, pela simples lógica de seu silêncio, a voltar para o castelo e ali se despedirem. Quanto mais os dois percebem a urgência de encontrar um pretexto para não ir adiante e que possa ser expresso em voz alta, mais suas bocas parecem estar costuradas: todas as frases que poderiam ser de alguma ajuda se escondem deles que, desesperadamente, pedem socorro. É a razão por que, ao chegar perto da porta do castelo, "por um instinto mútuo, nossos passos tornavam-se mais lentos""

Gosto de Kundera por ele ser um escritor que passa todos os sentimenos, negações e absurdos desejos humanos sem o menor pudor. Isso fica claro em  "A Insustentável Leveza do Ser", onde ele cita o antagonismo que existe entre Deus e a merda, e o modo como negamos um para o outro a existência de algo que todos temos em comum. Eu poderia escolher esse trecho se quisesse ser polêmica ou escrever um enorme artigo de opinião, mas não é isso que desejo agora. Evidentemente, "A Lentidão" não é o mais famoso livro de Milan Kundera e o trecho que resolvi colocar também não, porém há algo nele que me chamou atenção - o fato de eu já ter experimentado a mesma sensação que o cavalheiro e Madame T.  experimentam nessa cena. Gosto tanto da simplicidade que Kundera coloca esse sentimento, conseguindo aprofundar toda a angústia dos dois personagens sem a necessidade de escrever os pensamentos de cada um em longas e longas explicações (infelizmente seria isso que eu faria) e gosto da maneira em que se segue todos os acontecimentos posteriores, mas não vou colocá-los aqui por motivos óbvios de espaço e paciência. Acho que é só o que tenho pra dizer. PS: Foi graças a Milan Kundera que criei o título desse blog, foi com ele que descobri a palavra "risíveis" :D

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